16.11.10

Todas queriam ser a Marieta

Todas se apaixonam pelo Chico. E cantam com ele, e ganham músicas dele - sejam de Atenas, sejam brasileiras, sejam carolinas.

Todas queriam ter sido a Marieta. E ter ido pro exílio com ele. E cantar as músicas, e viver as músicas, e receber olhadelas. E dançar uma valsinha, e viver o cotidiano, e fazer tudo sempre igual, esperar para o jantar e beijar com a boca de café.

E mesmo sem ser Marieta, viajamos com ele por Budapeste, pelo Rio, pelo dicionário, vimos a banda passar.
Minha mãe gosta do Chico, eu gosto do Chico, minha irmã gosta do Chico, minha sogra gosta do Chico e - Deus! - até meu marido gosta do Chico.
Ele sabe disso, e ainda vai dizer: você não gosta de mim, mas sua filha gosta.

19.10.10

Cronópios, famas e esperanças

Dia desses, um amigo disse que, lendo essas definições do livro Histórias de Cronópios e de Famas, de Júlio Cortázar, achou a definição de "cronópio" parecida comigo.

Os cronópios, segundo Cortázar, são criaturas verdes e úmidas, distraídas, e sua força é a poesia. Eles cantam como as cigarras, indiferentes ao cotidiano, esquecem tudo, são atropelados, choram, perdem o que trazem nos bolsos e, quando saem em viagem, perdem o trem, chove a cântaros, levam coisas que não lhes servem.

Os famas, pelo contrário, são organizados e práticos, prudentes, fazem cálculos e embalsamam sua lembranças; quando fazem uma viagem, mandam alguém na frente para verificar os preços e a cor dos lençóis.

As esperanças "são sedentárias e deixam-se viajar pelas coisas e pelos homens, e são como as estátuas, que é preciso ir vê-las, porque elas não vêm até nós".


Apesar de querer ser fama por diversas vezes, tropeço nas coisas da vida e me deparo com um cronópio no espelho.

E tu, que estás lendo, o que vens a ser?

[ gostou da sensorialidade? Baixa o livro aqui ]

6.10.10

Attraversiamo

"Acabaram por se conhecer tanto, que eram como um mesmo ser dividido, e se sentiam pouco a vontade com a frequência com que adivinhavam sem querer o pensamento um do outro, ou pelo acidente ridículo de um antecipar a dizer em público o que o outro ia dizer. Tinham contornado juntos as incompreensões cotidianas, os ódios instantâneos, as grosserias recíprocas e os fabulosos relâmpagos de glória da cumplicidade conjugal.
Foi a época em que se amaram melhor, sem pressas e sem excessos - e ambos foram conscientes e gratos pelas vitórias inverossímeis contra a adversidade. A vida ainda havia de confronta-los com outras provas mortais, sem dúvida, mas já não tinha importância: estavam do outro lado da margem "
Gabriel Garcia Marquez
O amor nos tempos da cólera

2.10.10

Mê dê mais soma para eu continuar

Horários fora de fuso. Trabalhos que embrutecem. Mentes de Silicone. Voto vendido. Vida de gado. Deixe a rebeldia trancada e coloque sua melhor máscara.
Colisões de ideias são frutíferas - e quando há colisão de ideais?
Mentes conectadas na rede. Rede conectada no corpo. Você foi fisgado pela rede.
Multi-tarefas, você trabalha, fabrica criatividade, estuda, pinta, borda, sapateia, faz yoga. E não sai da rede.
Você é seguida e hoje, isso é cool. Me deram um unfollow. Eu acho bom.
Paulatinamente, pensamentos rasos invadem a sua praia. A profundidade se perdeu com a velocidade, com a rede, com a tecnologia, com o veja agora e passe adiante. Você quer compartilhar isso?

Tempos modernos, diria o filósofo. Nem Chaplin podia prever, mas Aldous Huxley previu.
Admirável mundo novo, nessa rapidez, preciso de algo que desacelere.

23.9.10

15.9.10

Ossos do ofício

- Ah, você desenha bem. Pode ser um ótimo designer.
- Hmm, até que você se articula e escreve bem. Já pensou em ser jornalista?
- Você cria títulos muito bons. É redator?

E você escreve, rabisca, mostra título, subtítulo e até ativa a tecla SAP para o cliente, só cuidado para não terminar como atendimento e ouvir: bonitinha assim, você é atendimento né?


Je-sus.

14.9.10

Exclamai-vos

"o todo sem a parte nao é todo
a parte sem o todo nao é parte
mas se a parte faz o todo sendo parte
nao se diga que é parte sendo todo"
Gregório de Matos.

11.9.10

e então você pega a estrada

para dias mais agradáveis. A cor do verão está em você, cabelos ao vento, sol se pondo no horizonte e aquela música que você adora tocando.
Você está na estrada e tudo parece tão calmo, porque tudo que te distraía da calmaria está ficando para trás, lá trás, a cerca de 50, 90, 120 km de distância.
Não tem Google, não tem telefone, não tem deadline. Só uns passarinhos voado, as árvores passando e a liberdade de não precisar se preocupar com o relógio.
Praticamente um buda sentado, você esboça aquele sorriso enigmático.



É melhor nem pensar que amanhã você estará fazendo o caminho de volta.
Então você pega a estrada e se desliga - click.
Fora de área.

5.9.10

há 10 mil anos atrás

Naquele tempo, ouvíamos Legião nas alturas. Nas alturas de uma varanda no 5º andar. Aos 15,16 anos, cantávamos sentindo com toda maturidade que essa idade pode oferecer. Entre uma confissão e outra, aquelas meninas estavam crescendo juntas, trocando roupas, cartinhas, experiências, telefonemas.
Os primeiros porres, os primeiros beijos, as primeiras saídas, os primeiros namorados.
Naquele tempo, enloucrescendo.
Hoje em dia essas meninas se vestem de executivas durante a semana, são inpendententes, fazem compras em e-commerce, se preocupam com produtos orgânicos, carboidratos e vitaminas.Com um mundo cheio de coisas para se preocupar, sentem saudade daqueles tempos em que a única preocupação era se os pais iam deixar sair no fim de semana.
E quando se encontram é como se voltassem a ser aquelas aborrecentes de 16 anos, com a cabeça nas nuvens e os pés no chão.

31.8.10

A volta de Álvares de Azevedo




Mais em http://bichinhosdejardim.com

Do que sabemos

e do que fingimos não saber.

Já sabemos de tudo, já andamos por essas ruas antes, já falamos essas falas puídas.
Já fingimos normalidade, já passeamos entre o tormento e a serenidade, já estivemos em dúvida sobre qual margem escolher.
Já isso e já aquilo, nesse pequeno desastre, lendo e relendo os indícios, repassando os porquês e quandos.
Já deixamos para depois, que teima em chegar mais rápido que o agora.
Já corremos pros abraços, corremos para longe e acabamos estancados no meio do caminho, onde tinha uma pedra, no meio do caminho, tinha uma pedra.
Apelamos até para a botânica, ah apelamos sim.
Já chamamos nosso nome pelo quarto, pela casa, pelas ruas do mundo.
Já tentei desenrolar tuas palavras e me enrolei.
Já fomos tudo, até hiperbólicos, metafóricos, poéticos, dramaturgos, egoístas, personagens, antagonistas: antes fôssemos herméticos.

Agora fale bem baixo, pois posso ouvir você de longe, falando dentro da minha cabeça.

Vou servir um chá para um.

25.8.10

Digestivo do dia:

Não faça do seu amigo um veículo.

A gente ouve?

Mas ouve isso:
Me apaixonei por você loucamente, diferente do que sei (sei mesmo) que vc pensa.
Eu gostei de você com uma pureza sem tamanho. Foi real, intenso e verdadeiro. Você me tirou do salto alto e me convidou para passear num mundo muito lindo. Me sentia mais bonito, mais interessante, mais charmoso, mais provocante, mais inteligente... mais eu. Mais eu, isso.

11.8.10

Da criação ao caos

Atendimento - Responde - Explica - Layout - Vai logo! - Não dá, montagem quebrou. - Vai Logo! - Tá pronto...

Mais ou menos nessa (des) ordem as coisas vão acontecendo. Ou se confundindo, como alguns preferem conceituar.

Toc toc, toc toc: - briefing delivered.
Tic tac tic tac: - o prazo vai terminar.

Brains em storms, isso dá isso não dá, quem sabe dessa cor, não - fica muito pesado, tive uma idéia, êêê finalmente.
De monstrinho clichê a ideia passa da categoria de simples "ok" para animado "que massa!"

E a gente fica feliz e cumpre o prazo e no próximo segundo: Toc toc, toc toc: - briefing delivered.
E as engenhocas começam a rodar mais uma vez.
Do caos se cria ou o processo de criação é um caos?
E assim se cria. E assim a gente mata alguém: o job.

Quem sabe devesse se chamar criacaos?

1.8.10

Le Grand Cirque

Atenção, Senhoras e senhores! O espetáculo vai começar.

Devo te advertir:

Na arena do circo você verá hienas e suas risadas irônicas, cobras, lobo em pele de cordeiro, girafas, preguiças e cachorros. A maioria encenando, os outro sendo apenas sendo primitivos.

Toda a fauna querendo ser flora.

E você vai rir no comeco. Você vai se integrar ao Zoo. Encantadores, se você observar bem.

"-Mas que belas espécies" - você pode pensar.

Mas olhem de perto, senhoras e senhores. Mantenham-se atentos aos movimentos.

Em um espetáculo apenas acredito que não se perceba o todo. Então você vai voltar para rever, e vai voltar todo dia, até virar um hábito e então uma rotina.

Em algum momento, no entanto, você vai perceber que talvez esses animais sejam muito nocivos e bem mais inteligentes e astutos do que você ousou imaginar.

E você vai ficar chocada.

Lembre-se que eu disse: Atenção, senhoras e senhores.








21.7.10

Persépolis e Bordados: Marjane Satrapi

" E assim a gente começava a ventilar o coração, numa longa sessão..."

Parece ser uma delícia ventilar o coração. Os dois livros de Marjane são lindos, e não me canso de dizer isso.

4.6.10

Nós, que somos.

Nós que pensamos alto, nós que temos muita coisa em comum e entre nós.
Que quando pequenos sonhávamos em ter uma profissão que mudasse o mundo; e que tentamos ter mesmo sabendo ser bem "complicated".
Nós que, precisando de aviões para nos levar bem longe, nos contentamos com soltar as rédeas das caravelas e zarpar, mesmo que seja em pensamento.

Que gostamos da poesia. Falada, escrita, dita, fotografada. E da sentida.
Que gostamos de saber mais.
Que temos uma estante cheia de livros, histórias fantásticas que nos fizeram entrar na caravela e ir bem longe, para depois voltar com mais histórias para contar.
Nós que fomos longe, geograficamente, e voltamos, e mudamos nós mesmos e os outros.

Que somos Maria, mas não estamos nem um pouco dispostas a ir com as outras.
Nós que somos tanta coisa por dia sendo ao mesmo tempo um(a) só.

Que nós, que somos, nunca paremos com essa coisa de querer ir além.


14.4.10

por uma semana com mais tempo

vida de gado, uns dizem. acorda cedo, almoça tarde, dormir só em sonhos.
povo marcado pela carga horária, pela hora de assinar o ponto.

vida de formiga operária, dizem outros.

quem me dera uma vida de cigarra.

2.3.10

baile de mascaras

Algumas mascaras nao caem nem com com demaquilante.

comico se nao fosse tragico ou tragico se nao fosse comico (interrogacao)

7.2.10

pensando (bem) alto

você não precisou nem gritar: - mãos ao alto!

e eu não precisei nem dizer que eu já tinha me rendido.


então, shhhhh!

16.1.10

Voce vai. Eu fico.

E voce vai vir.
E nao só isso, voce vai vir e nao vai ficar calado. Voce vai mexer em minhas estantes procurando aquele livro de poesias, voce vai me chamar para ir a praia, a tardinha, para ver o sol indo e construir uns castelos de areia.
Eu penso: "mas que bela merda voce chegando assim de mansinho!''
Mas voce nao vai ligar. Voce vai me chamar de linda, vai ficar falando coisas bonitas, daquelas que no final se tranformam em letras de música nos meus ouvidos. E voce vai falar sobre saudade e sobre como acha bonito meu ser atrapalhado. E eu vou ficar te observando, decifrando tuas linhas. E voce vai perceber isso, e vai adorar. E vai me contar sobre coisas e pessoas fantásticas, e vai me chamar pra danca, e vai..., porque voce vem, mas vai.
Ah vai, vai falar com os olhos, com o coracao e com as maos.
E mesmo que voce nao desse uma palavra, voce ja teria baguncado meus pensamentos.

E eu penso de novo: mas que bela merda voce chegando assim de mansinho.

FOOD FOR THOUGHT

Although you may not stumble across a Martian in the garden, you might stumble across yourself. The day that happens, you´ll probably also scream a
little.And that will be perfectly allright because it´s not every day you realise you are a living planet dweller on a little island in the universe. (Jostein
Gaarder- The Solitaire Mystery)